2023 - Ano do Centenário de Nascimento de Corací Gomes da Silva (20/02/1923) -
“Meu coração tá batendo. Como quem diz não tem jeito. Zabumba, bumba esquisito.
Batendo dentro do Peito”. Minha família começou na cidade de Paraúna, em Goiás,
em meados dos anos 30 do século passado. Meu pai, Benedito da Silva Ferro,
garimpeiro, um diamante bruto de coração mole; minha mãe, Corací Gomes da Silva,
vivaz, centrada, um farol intuitivo a nortear nossas vidas. Vidas, vidas, vidas,
dezesseis filhos ao todo, tipo escadinha, a cada dois anos, eis que surgia um
rebento.
- Com o passar dos anos, as crianças crescendo e a busca por novos
horizontes, foi nos levando um de cada vez para a cidade de Goiânia, com novas
perspectivas de trabalho, de estudo, de oportunidades.
A transição definitiva
para a Capital não foi, por assim dizer, tão dolorosa. Já tínhamos tias e
parentes assentados no bairro da Campinha. Um verdadeiro triangulo amoroso na
Avenida Rio Grande do Sul, as manas do meu pai, Inocência, Amélia e Bita, já
eram um porto seguro para nós e muitos conterrâneos “paraúnicos”.
- Na Paraúna,
uma dupla de ases, os tios Rogério e Floriano, manos do meu pai, a dar
retaguarda a todos nós, filhos, sobrinhos, primos, amigos... . De volta para
minha mãe, nossas tias Leontina, Maria, Vandinha, Neném e Chica e o tio Nego,
com maior ou menor intensidade, até mesmo pela distância, pois muitos viviam no
meio rural, nos dando carinho e amizade, com as portas sempre abertas para um
cafezinho com biscoito, ou um pouso com aquele calor próprio do excesso de zelo
e atenção.
- Então, voltando, ao nosso “Corací, corão, coração” e, para não
cometer qualquer tipo de injustiça, quer pelo esquecimento ou pelo puxão de
orelha atual, uma pausa para a nomeação da nossa irmandade: - Sebastião, Ivaldo
e Ivanilde, Dulce, Luiza, Vicente, (um anjinho), Zé Carlos, Carminha, Cristina,
João Batista e João César, Geraldo, Agnaldo, Cecília e Simone.
- Hoje, sem meu
Coração, que Deus teimou em levar para si, há, na convivência entre nossa
irmandade , uma massa consistente de assentamento de construção familiar. Esse
amalgama, preparado pela dona Corací, além de ter ficado ao ponto (rédea curta
para todos), nos deu liga (somos uma irmandade unida, amiga e nos respeitamos
mutuamente).
- Perdas e danos – Minha fortaleza, meu porto seguro, minha Mãe,
começou, sem querer e sem saber, a ficar mais frágil e vulnerável, entre dois
bombardeios de sofrimento de nome enorme. A morte do filho João Batista Gomes,
no início dos anos 80, que comprometeu e abalou profundamente a saúde dela. E,
já no final daquela década, meu irmão José Carlos sofreu um acidente de carro ao
voltar de férias. Morreram ele, a esposa Maria Aparecida Batista de Oliveira, o
filho Gustavo de Oliveira Gomes, a babá. Somente o filho mais velho, Guilherme
de Oliveira Gomes, por um verdadeiro milagre, sobreviveu. Aí, o golpe foi duro
demais, e, pouco tempo depois, minha mãe foi definhando até que triste e
melancolicamente veio a falecer.
- Sem palavras, vou buscar no poeta Drummond,
algo sobre as mães, todas as mães, sem exceção, que talvez sirva de alento para
essa prosa: “Para sempre” – Por que Deus permite / Que as mães vão-se embora? /
Mãe não tem limite / É tempo sem hora / Luz que não apaga / Quando sopra o
vento/ E chuva desaba Veludo escondido/ Na pele enrugada / Água pura, ar puro /
Puro pensamento / Morrer acontece / Com o que é breve e passa / Sem deixar
vestígio Mãe, na sua graça / É eternidade / Por que Deus se lembra / Mistério
profundo / De tirá-la um dia? -----.)
- Na superação dessa ausência física da
minha mãe, busco a sensação da presença dela na minha vida. A título de
divagação e como exemplo posso citar a canção de Alceu Valença, “ Coração bobo,
coração bola / Coração balão, coração São João / A gente se ilude dizendo / Já
não há mais (“Corací, corão,”) coração.”
- Hoje, sempre que saio para qualquer
coisa, trabalhos, estudos, festas, passeios, tenho a certeza de nunca estar
sozinho. Eu pressinto a existência de uma proteção muito peculiar orquestrada
pela minha mãe ditando o ritmo da batida do meu Coração. Isso, graças ao nosso
bom Deus, só as mães podem dar.
- Nessa briga entre o tempo e o espaço, entre o
ontem e o hoje, entre perdas e danos, penso na minha mãe todos os dias.
Quer
saber? Só de Coração para Coração:
- - Na função despertar do meu celular, toda
manhã ativo o modo soneca. São só mais uns minutinhos na cama. Sabe, quem criou
essa possibilidade, talvez não tivesse a noção da importância da mesma. Minha
mãe, sempre que me chamava pela manhã, era implorada por mim para me deixar lá
na cama mais um pouquinho, preguiça pura. Hoje, com ela “ausente”, achei outra
função para a função soneca. Ela me traz a sensação de presença da minha mãe.
Aquele tempinho a mais me faz sentir que ela vai voltar. Meu ser se cobre de uma
alegria plena, que se esparrama pelo meu dia.
- Agora, deixando a prosa de lado
e buscando um alento na poesia, voltemos ao saudoso Drummond: “Fosse eu rei do
mundo / Baixava uma lei / Mãe não morre nunca / Mãe ficará sempre / Junto de seu
filho / E ele, velho embora / Será pequenino / Feito grão de milho”.